sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ternuras

Ternuras

 

 

Brotam ternuras dos teus olhos cansados!

Mas tu pespontando a ouro o fugaz momento

Soubeste dar à amarga vida

Um sonho mergulhado de doces flores perfumadas!

 

E não te deixaste jamais levar

Pelo vento devastador

Que derruba a vasta planície

Nos dias de forte tempestade…

 

Tu bebeste níveas manhãs com cheiro a maresia

Tu acalmaste a rudeza das grandes iras

Tu trouxeste o sonho onde o vazio se instaura

Tu leste a agonia nos olhos silenciosos

E falaste mesmo quando nada dizias…

 

Tu trocaste as sedas e os brocados

Por tecidos que usavas cada dia

Tu trocaste o teu Palácio Encantado

Pelos passos que a vida te tecia!

 

E quando o desânimo

Avançava a passos leves…

Tu soubeste descerrar com mãos de brisa

A janela que se abria sobre o mar!

 

Assim docemente talhaste a vida

Em toda a sua profunda plenitude

Quando julgavas apenas cumprir teu ser…

Porque além de seres a grande mãe

Tu foste o ideal de mulher…

quero

Quero

 

 

Quero um pouco de bálsamo

Um pouco de azul, mais azul

Um pouco de sol, um pouco de ar

Um país longínquo bem tocável

Onde eu possa o meu eu aportar…

 

Quero a luz mais diáfana,

A terra mais penetrante, mais forte,

A lua exalando brilho de deuses

E o mar menos revoltoso, mais sereno

Tão diferente em tudo do meu porte.

 

 

Quero assim tudo, assim tão sereno

Mas não sei como vê-lo se não vejo

Não quero ver perfumes incandescidos

Luzes mortas afagando a penumbra

Para logo apagar qualquer desejo…

sei

Sei

 

 

Sei que está para lá do que vejo

Uma profunda e criadora perfeição

Que me espera deleitosa e intocada

Aguardando a minha esperada redenção!

 

Sei que existem palmares virgens

Onde a minha alma eterna morará

E após longo desgaste a que se expôs

Encantada assim se libertará…

 

Sei que do caos emergirá perfeita

Na totalidade almejada longamente

E então será viva, muito viva

Espraiando-se no que quis tão cegamente…

hei-de voltar

Hei-de voltar

 

Hei-de voltar um dia, sim hei-de voltar

Ressurgida de novo à minha imagem

Para trazer intacta à minha vida

O que agora sei ser uma miragem…

 

Hei-de voltar, uma vez, só mais uma

Para florir e tecer meu eu que sou

Hei-de conhecer a vasta plenitude

Que agora meu eu tanto ansiou…

 

Hei-de abrir-me em fôlego, deslumbrada

E cantar as manhãs vastas de jasmim

Hei-de cobrir meu corpo extasiada

Com o bálsamo que guardei sempre para mim!

 

Ressurgirei na ausência da palavra

No silêncio isento de agonia

E então finalmente usarei

Minhas pérolas que guardei para esse dia. 

Orfeu

Orfeu

 

 

Encanta com o som da tua voz

Os pássaros e as feras amansadas

As árvores que rendidas ainda se curvam

Para ouvir do vento as tuas árias…

 

Ergue a tua lira, Orfeu derrotado,

Não chores Eurídice encantadora

O som do teu canto doloroso

Não te traz a esperança redentora!

 

Não chores, Orfeu, que o som plangente

Não retira da sombra a tua amada

Não sejas como eu, músico insano,

Que em agonia me choro derrotado…

um dia...

Um dia…

 

Um dia após tudo hei-de voltar

De novo onde existo e onde sou

Para trazer à minha vida essa candura

Que o sonho rendido me levou.

 

Hei-de voltar mais uma, uma só vez

Para perfumar o só meu que me falhou

Hei-de sentir nas palavras por dizer

O deslumbramento de quem tudo disse, tudo falou!

 

Hei-de enfim repousar-me do cansaço

E beberei com sofreguidão cada momento

E hei-de querer ser eterna como os deuses

Para me render por completo ao sentimento…

 

Esse dia será luz em tarde fosca

E então completarei todo o meu ser

Não partirei mais em busca do intocado

Por o amor ansiado poder ter.

inteira busco a minha imagem

Inteira busco a minha imagem

 

 

Inteira busco a minha imagem

E retorno ao velho paraíso

Para em passos tecidos de leveza

Trazer o que conservei lá escondido…

 

Eu quero trazê-la com cuidado

Em assomos de raiva e de nostalgia

Quero trazê-la de lá para sempre

E conservá-la como se a vida fosse um dia!

 

Quero perder-me em voláteis asas de ouro

Quero senti-la assim, senti-la inebriada

E inundar cada dia do que sou

Com perfumes que a memória ainda guarda.

 

Quero reaver meu eu imaculado

E erigir-me à imagem do que fora

Para que sem vento que chicoteie o que sou

Construir-me em harmonia no agora…

 

foi por ti

Foi por ti

 

 

Foi por ti que erigi os meus castelos

Foi por ti que corri contra o vento

E como Sifiso levei para diante

A pedra que me conduzia ao sofrimento.

 

Foi por ti que corri a direito

Impelida pelo sonho que acenava

E deixei para trás as minhas pérolas

Que em enlevo secretamente guardava.

 

Foi por ti que palmilhei o deserto

Em busca da planura procurada

E sem pejo engoli o travo do pó

Seduzida pela harmonia tão buscada!

 

Foi por ti que encarcerei as marés vivas

Que revoltosas buscavam a lisura

Foi por ti que corri olhando em frente

Esquecendo a verdade que fosse dura!

 

Por ti corei sem dizer nada

E depus meu véu que me resguardava

Em êxtase deliciei-me com meu novo eu

Que resplandecia e inebriado se encantava….

 


 

e tu vieste

E tu vieste

 

 

Tu vieste e acenaste levemente

Sob a fresca matinal luz raiante

E trouxeste ao sol incandescido

A brisa da manhã tão cintilante!

 

Tu vieste e trouxeste no teu riso

O cristalino sonho moldado em poente

Tu trouxeste ar fresco e diáfano

Ao horizonte perdido que não sente…

 

Tu bordaste com cetim o que eu era

E encantaste meus dias em encanto

Que pude ler nas palavras por dizer

Torrentes que iludiam o meu pranto…

 

Tu trouxeste assim suavemente

Um afago tão grande à minha alma

Que mesmo que o desencanto traga o nada

Em ti se deliciará a minha calma.

neste mundo em que vivemos

Neste mundo em que vivemos

 

 

 

Neste mundo em que vivemos

Girando na vida giramos

Cada um encontra um rumo

Erigindo seus enganos…

 

Neste mundo feito em nada

Seus encantos encantando

Cada um ruma sem bússola

Os trilhos da vida pisando…

 

Neste mundo em cadafalso

De tempestade e nortada

Cada um leva em frente

A parte não derrotada.

 

Neste ponto em rotação

Onde reina a efemeridade

Cada um leva para diante

Uma vaga irracionalidade…

 

Assim em cada momento

Cada um tem que saber

Dar um bom norte ao seu norte

Evitando o esmorecer!

voz do mar

Voz do mar

 

 

O mar cavalgando profundo e denso

Ergue ao longe as suas longas arestas

E suave, suavemente desenrola

Suas ondas lívidas de sargaços

Que molemente erguem os seus braços

Na dura claridade da vasta tarde.

 

E plenas de espuma vagueando

Sob o sol fantástico e transparente

Há mudez que se abre em liberdade

Sem muros erguendo suas mãos

Sem pedras atiradas contra a luz

Sem pássaros esbarrando nas vidraças

Nem vozes sufocadas de avidez

Num tempo perdido sem algemas

Onde a verdade é igual a si mesma

E o silêncio é vasto mas com palavras…

 

Voz do mar, voz forte, voz de todos

Tu sim fazes eco dos teus passos

Tu sim ergues a voz e és perene!

 

Eco ninfa bela

Eco ninfa bela

 

 

Eco ninfa bela que tanto amaste

De Narciso a beleza, a juventude

E buscaste o afago do seu amor

Ignorando a traição da plenitude!

 

Ó ninfa, tu acalentaste desejos vãos

E não viste que no amor tu te perdias

Desprezada no sentimento que querias perene

Ao retiro da gruta tu te rendias…

 

Ó ninfa, buscaste abrigo nos montes e bosques

Esgotando-te neles morreste de dor

Ó ninfa, porque quiseste erigir tão alto

A busca da perfeição de um grande amor…

 

Ó Eco, tua alma já não sentia

Em rochedos tu foste transformada…

Que se lembre cada um que o letal amor

Também leva à crueza, à dor, ao nada…  

expor-me

 

Expor-me 

 

 

Expor as minhas mágoas os meus lamentos

O meu duro pranto a minha dor,

Seria como dar-me inteira ao inimigo

No campo de batalha ao vencedor.

 

Expor meus ressentimentos minhas angústias

E revelar-me assim tão nudamente

Seria como entregar-me à rendição

Sem recusas, sem repulsas amplamente…

 

Não saber recolher-me no meu mundo

E expor-me tão só eu, expor-me assim

É como ter encontrado pepitas de ouro

E não ter sabido guardá-las para mim…

elas também....

                                                                                                                                                 

A todas as mulheres que escondidas partiram para os Descobrimentos para não se separarem daqueles que amavam.

Elas também … 

 

 

Elas também cruzaram tenebrosos mares

E foram levadas por ânsias sufocadas

E foram escondidas nas profundezas dos porões

Onde apenas coisas eram guardadas…

 

Elas também cruzaram Oceanos a encontrar

E sulcaram vagas intocadas

E partilharam as mesmas ânsias, o mesmo estar

Num silêncio de quem não dizia nada.

 

Elas partiram levadas pelo amor

De quem se não podiam apartar

Em busca dum longínquo tão longínquo

Onde pudessem seu ser completar…

 

Elas também partiram sonhando

Guiadas pela sedução do vasto mar

Levadas em frágeis caravelas

Mesmo quando se sentiam vacilar!

 

Foram mulheres que em prantos e doces mágoas

Enobreceram assim a nossa História

Acrescentando o que faltava acrescentar

A esta nobre saga tão feita de glória…

 

queria o mar

Queria o mar

 

 

Queria o mar mais sereno, de luz diáfana

A lua mais lustrosa e mais bela

As flores esvoaçando perfumes doces

Cheirando sempre a tomilho e a canela!

 

Eu queria belos nenúfares suspensos

Abrindo levemente sobre as águas

Eu queria deliciar-me com o mar

Afagando lentamente as suas vagas!

 

Eu queria abrir o horizonte rubro

Com mãos de veludo e de cetim

Eu queria trazer comigo o pôr-do-sol

E guardá-lo secretamente para mim…

 

Eu queria assim tudo tão só meu

E levar para diante esta procura

Erigindo meus castelos adornados

E  sonhos perenes abertos em lisura.

 

 

 

onde estão...

Onde estão…

 

 

Onde estão meus palácios, os meus pórticos

Onde estão que somente eu os guardei

Onde estão meus palácios, meus mirantes

Que escondidos em segredo conservei…

 

Onde estão meus ginetes, meus soldados

Que arrastando as armaduras pelo chão

Eu vi ansiando derrotados

Exangues ainda assim lutando em vão…

 

Oh! Que tudo rui, tudo tomba

Tudo flúi perdido o doce encanto

Levando duramente para o nada

O nácar transformando em duro pranto!

nos jardins encantados

Nos jardins encantados

 

 

Nos jardins encantados já andei

Sobre os trilhos marmóreos certo dia

Nas pilastras de jaspe em enlevo

Já busquei deslumbrada a fantasia!

 

Nos jardins de matinal luz raiada

Trouxe comigo manhãs doces de cetim

No silêncio intocado do lugar

Trouxe à minha alma o brilho carmesim!

 

Nos jardins deslumbrando a Primavera

Longos hinos solenes eu cantei

E erguendo com força a minha voz

Erigi o meu sonho que guardei.

 

Mas não sei porque não soube guardá-lo

Porque o não pus fechado por o ter

Que ávido de sonho então meu sonho

Se esvaiu ansiando o seu ser…

adamastor

Adamastor

 

 

Ó Adamastor que cruel profetizas

Maldições, grandes perigos, grandes guerras!

Tu, que de peito desgostoso e sitibundo

Só anseias grandes danos, grandes perdas.

 

Ó Adamastor que teus domínios guardas

Com o peito ressentido e transtornado

Cuidando assim que teu tão duro aspecto

Guardará do secreto o inviolado.

 

Ó monstro que o coração endureceste

Na silenciosa e tão profunda agonia

E sofreste a derrota de um amor

Que a tua alma trágica enobrecia!

 

Ó monstro de quem a alma é igual à minha

Que te perdeste na procura da metade

E correste ansiando a nobre causa

Encontrando a crueza da verdade…

já trouxe o brilho carmesim

 

Já trouxe o brilho carmesim

 

 

Já trouxe comigo o brilho carmesim

Que encantava meus dias enlevo

Já trouxe o purpúreo sol à minha vida

E flori as manhãs com luz tecida.

 

Eu já trouxe o encanto deslumbrada

Que se erguia tecendo as suas asas

Louvei até os longos hinos que solenes

Enterneciam minha alma extasiada.

 

Eu cantei os cânticos primaveris

Deliciada na mudez da fantasia

Trouxe à minha vida luz tão luminosa

Que sedenta de encanto não se rendia…

 

Mas a luz procurada era fugaz

O seu brilho menos brilho que buscava

Que o real estendendo suas garras

À efémera ilusão me retirava…

 

Eu não sei se procure ainda esse brilho

Se o deixe finalmente por perdido

Ou se leve por diante essa procura

Arriscando a perder-me no meu trilho!